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FEMINICÍDIO: Assassino de Viviane Araújo de Sena é condenado a 17 anos de prisão
Em fevereiro de 2021, ele a estrangulou até a morte dentro de casa
Manaus (AM) – Viviane Araújo de Sena não podia mais usar maquiagem porque Francisco Antônio Lima da Silva, 32, dizia “não ser coisa de Deus”. O então companheiro de Viviane foi condenado a 17 anos de prisão em regime fechado pelo crime de homicídio triplamente qualificado: feminicídio, asfixia e motivo fútil. Em fevereiro de 2021, ele a estrangulou até a morte dentro de casa, em plena pandemia do novo coronavírus.
“Ela era mãe, filha, amiga, irmã. O tempo que ele ficar preso não vai suprir a falta que minha mãe faz, mas queremos que ele não faça isso com outras mulheres. A gente sabe que muitas mulheres morrem por isso, então, para que ele não quebre outra família, a gente clama por justiça”, afirmou Agnes Araújo, de 19 anos, filha mais velha de Viviane.
“São dois anos de muita tristeza, complicações e a falta que ela faz, principalmente para mim e para a minha irmã mais nova. Eu fiquei órfã de pai muito cedo, e tive também minha mãe arrancada de mim por ele (Francisco). Ele tirou a vida dela sem que ela pudesse se defender”, disse.
A Sessão fez parte da “23ª Semana da Justiça pela Paz em Casa”, programa promovido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em parceria com os Judiciários Estaduais. O Tribunal de Justiça do Amazonas (TJ-AM) integrou essa força-tarefa que procura ampliar a efetividade da Lei Maria da Penha e agilizar o andamento dos processos relacionados à violência de gênero.
O réu permaneceu calado no Fórum Ministro Henoch Reis, no bairro São Francisco, em Manaus, em sessão presidida pela juíza titular da 1ª Vara do Tribunal do Júri, Roseane do Vale Cavalcante Jacinto. Francisco estava preso à espera do julgamento desde 2021 e foi defendido pelo Defensor Público Rafael Albuquerque.
As sobrinhas, amigas e as filhas de Viviane aguardavam a sentença do lado de fora, esperando a pena máxima para Francisco.
A sobrinha de Viviane, Lívia Alves disse que a condenação não ameniza a dor da família, mas mostra que a justiça prevalece. “Nossa família fica consolada apenas pelo fato dele estar preso, que mostra que nós aqui fora estamos seguras, principalmente as filhas dela”, explicou.
Os familiares de Viviane afirmam que Francisco sentia ciúmes doentio e tentava controlar a vida da companheira de todas as formas. “Ele se passava por cristão e nós acreditávamos nele, porque ele dizia ter revelações e sonhos. Isso era uma forma de reprimir minha mãe, que sempre foi uma mulher independente, trabalhadora e quando ele entrou na vida dela, tudo mudou. Ele não a agredia fisicamente, mas verbalmente. Eles tinham brigas por ciúmes porque ele sentia muito ciúmes dela, todo lugar que ela ia ele acompanhava”, lembrou Agnes. Viviane, que tinha 35 anos, trabalhava como industriária.
A denúncia oferecida pelo Ministério Público Estadual (MPE), em março de 2021, dizia que o motivo da morte de Viviane não havia sido totalmente esclarecido. Viviane e Francisco eram namorados havia dois anos, e moravam juntos há aproximadamente um ano na época do crime. O documento cita episódios de fanatismo religioso por parte de Francisco, que chegou a rasgar as roupas da vítima e a proibir de usar maquiagem.
No dia do assassinato de Viviane, familiares de Francisco a levaram para uma base do Samu, na Bola do Coroado. Chegaram a alegar que ela estava passando mal por complicações relacionadas à Covid-19. No entanto, o médico atestou que a morte ocorreu por asfixia mecânica.
IMPUNIDADE DA MISOGINIA
As ativistas feministas do Fórum Permanente das Mulheres de Manaus (FPMM) estavam mais uma vez clamando por justiça ao lado dos familiares da vítima, do lado de fora do prédio do Tribunal. Luzanira Varela, representante do FPMM, lembrou emocionada que o julgamento do feminicídio de Viviane Araújo de Sena deve servir de exemplo contra a impunidade da misoginia na sociedade brasileira.
“A condenação não traz a vida de Viviane de volta, mas esta família vai sentir que a Justiça prevalece e que isso sirva de exemplo para os homens misóginos e machistas que se acham donos das mulheres. A família dela diz que ele falava para a Viviane que se ela não fosse dele, ela não seria de ninguém. Então, os homens têm que deixar de achar que são donos da vida das mulheres. Nós temos direito a viver nossa vida! Chega de assassinatos, nosso corpo é nosso”, disse Luzanira.
VÍTIMAS DE FEMINICÍDIO
De acordo com os dados da pesquisa “Visível e Invisível: a Vitimização de Mulheres no Brasil”, 699 mulheres foram vítimas de feminicídio apenas no primeiro semestre do ano passado. Nos últimos quatro anos, o número de feminicídio cresceu 10,8% na comparação entre os primeiros semestres.
O levantamento encomendado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) lança luz sobre a vitimização de mulheres no Brasil ocorrida no último ano e aponta para o crescimento de feminicídios. “Ainda que não se possa hierarquizar os traumas provocados pelas diferentes modalidades de violência, o fato é que estamos diante de um crescimento agudo de formas graves de violência física, que podem resultar em morte a qualquer momento. Neste sentido, embora os dados de feminicídios e homicídios dolosos de mulheres do ano de 2022 ainda não estejam disponíveis, não será surpresa se nos depararmos com o crescimento de ambas as modalidades de violência letal contra as mulheres. Infelizmente o Brasil ficou mais inseguro para todas nós”, diz a pesquisa.
Antônia Maria Barroso, do FPMM, explica que as estagnações nas etapas de processos de feminicídio tornam a vida dos familiares das vítimas ainda mais difíceis e dolorosas “Quando essas etapas são estagnadas por algum motivo parece que nunca vai chegar o dia que vai ser feita a Justiça. Até que os assassinos sejam condenados, essa família tem mais ciclos de violência porque o Estado fica ocioso, o Processo não anda e isso violenta essa família. Os filhos têm que conviver muitas vezes com o assassino, pois são dependentes dele por viverem no mesmo ciclo familiar, na mesma casa, porque os acusados acabam esperando o julgamento em liberdade”, afirmou.
O Amazonas é o terceiro estado com maior proporção de casos de feminicídios do País. Só em Manaus, foram registrados 72 feminicídios nos primeiros 11 meses de 2022, um aumento de 140% em relação ao mesmo período em 2021. “O mapa da violência cresceu e nós temos instituições aqui no Estado que deveriam fazer o trabalho de apoio às mulheres e não estão conseguindo, porque o serviço foi reduzido. A importância que o governo está dando para os casos de feminicídio e violência contra as mulheres é pouca e a política não está sendo implementada”, desabafa.
Por Nicoly Ambrosio
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