Artigo
O tema da redação Enem 2016
Em 12 de outubro de 2005, o pastor Sérgio Von Helder (da igreja Universal), em seu programa de TV, chutou a imagem de Nossa Senhora Aparecida, a padroeira do Brasil, gerando inúmeros protestos. Em 14 de junho de 2015, no Rio de Janeiro, dois homens ofenderam e desferiram uma pedrada em um grupo de pessoas que saiam de um culto de Candomblé, atingindo uma menina de 11 anos, causando um corte em sua cabeça. Esses exemplos explicam o conceito de intolerância religiosa: Ato de não tolerar a religião de outrem, cujos direitos são garantidos pela Constituição Federal.
Em que pese isso, o tema do Enem não foi sobre intolerância religiosa no Brasil, mas sim “Caminhos para combater a intolerância religiosa no Brasil”. Há uma diferença gritante entre “assunto” e “tema” e assim a maioria incorre em desvio grave: tangenciamento ou fuga ao tema. Poder-se-ia usar os exemplos aqui citados apenas como técnica argumentativa e não como ideia principal (tese). Aliás, a tese poderia ser “as maneiras de se combater a intolerância religiosa no Brasil dependem, basicamente, da postura familiar e da construção de princípios cidadãos” ou, talvez, “o combate à intolerância religiosa no Brasil possui caminhos que dependem da participação ativa da família, das religiões e das escolas”, isso se deduz com certa facilidade quando se lê os textos motivadores.
Assim como, em anos anteriores, os temas não foram “Lei Seca”(2013), “Publicidade Infantil”(2014) e “Violência contra a mulher” (2015); mas sim, “os efeitos da implantação” daquela lei, o “debate” ou a “questão” da publicidade infantil e a “persistência” da violência contra as mulheres no país. É muito comum que se cometa esse deslize de confundir tese (que é mais específica) e assunto (muito mais amplo). Os textos motivadores servem, também, para delimitar a tese, para informar sobre o que se deve escrever.
A redação do Enem é corrigida observando-se cinco competências, que, resumidamente, tratam do domínio da língua-padrão (1), da adequação ao tema e à tipologia textual dissertativo-argumentativa (2), da inteligibilidade textual, ou seja, da coerência textual (3), da coesão textual que se dá pelo uso dos mecanismos linguísticos para construção da argumentação (4) e, finalmente, pela presença de proposta de intervenção (solução para o problema) que respeite os direitos humanos (5). Cada competência varia de 0 a 200 pontos e a nota final é o somatório delas.
Drummond disse que lutar com palavras é a luta mais vã, porém é luta necessária e faz-se isso o tempo todo, ora usando a linguagem verbal oral, ora a verbal escrita. Embora, atualmente, a escrita parece que suplantará a oral, o WhatsApp que o diga, ainda que com características próximas à fala. Ambas, por fugirem à variante padrão, não devem ser usadas na redação. Se não é necessária a poeticidade drummoniana, é mister que se domine a língua padrão e se tenha um nível elevado de cidadania para produzir um texto nota 1000 no Enem.
Sérgio Cintra é professor de Linguagens e está servidor da Assembleia Legislativa de Mato Grosso.
sergiocintraprof@gmail.com