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PREÇO ALTO DA DROGA: Cocaína “euromilhões” causa câncer em toxicodependentes

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Em Portugal, Cocaína adulterada com substância cancerígena faz disparar lucro de traficantes

Foto: Pedro Granadeiro/Global Imagens

Toxicodependentes estão usando cocaína “traçada” com fenacetina, substância altamente cancerígena banida pela Organização Mundial de Saúde. Técnicos já sinalizam casos de cancro.

Os toxicodependentes chamam-lhe droga “Euromilhões”, mas a sorte é toda dos traficantes que, ao misturarem a cocaína com fenacetina, uma substância de corte muito mais barata, aumentam, e muito, o lucro. Para os consumidores sobram as dores de cabeça, a diarreia, a incontinência e, sobretudo, uma alta probabilidade de ficarem cancerosos. Desde 2020, só os técnicos da Arrimo, associação que apoia toxicodependentes da zona oriental da cidade do Porto, identificaram três casos de cancro. Dois deles terminaram em morte, provavelmente por causa de um analgésico que a Organização Mundial de Saúde propôs que, há muito, fosse retirado do mercado.

O caminho em terra batida, em Campanhã, tem, de um lado, um campo de futebol de relva artificialmente verde, do outro, a Piscina Municipal de Cartes, e dá acesso à “Casa Velha”. Ali, nas imediações do bairro do Cerco do Porto, entre paredes tortas pela idade e onde os tetos há muito caíram, deambula mais de uma dezena de toxicodependentes. A tarde nem sequer vai a meio e ninguém se incomoda com o cheiro nauseabundo vindo dos montes de lixo, dos dejetos, da urina. Todos querem apenas “dar no caneco”.

Foto: Pedro Granadeiro/Global Imagens

“António”, 53 anos, metade dos quais passados a consumir, está preparado para satisfazer o desejo, olha para o cachimbo e anseia que a pedra de crack que tem na mão não seja um “Euromilhões”. É este o nome que os toxicodependentes dão à cocaína “traçada” com fenacetina. “É um analgésico que foi retirado do mercado por ser altamente cancerígeno e que tem aparecido muito entre as substâncias de corte. Quem consome cocaína misturada com fenacetina sofre de dores de cabeça, fica incontinente e com diarreia”, explica o técnico da Arrimo, Abílio Menezes.

“António” acrescenta: “o ‘Euromilhões’ é muito forte, arranha a garganta e intoxica. O pessoal fica atrofiado”. Divorciado e com um filho de 32 anos, lembra que o consumo de cocaína sem fenacetina, aquela que “é boa”, deixa-o “mais concentrado e mais inteligente”. Perceções que desaparecem com o “Euromilhões”. “Chego a ficar com sono”, diz.

“António” tem um braço engessado para curar uma fratura, mas Abílio Menezes avisa que o consumo de droga “traçada” com fenacetina pode estar na origem de lesões bem mais graves. “Ainda não há uma evidência científica, mas, desde 2020, temos tido alguns casos de cancro da laringe entre os utentes. Dois dos toxicodependentes morreram e há um que se recusa a fazer quimioterapia. Foram as primeiras mortes por cancro desde 2008”, exemplifica.

Foto: Pedro Granadeiro/Global Imagens

Multiplicar lucros – Enquanto pede aos técnicos da Arrimo “prata” para derreter droga, kits de consumo e toalhetes, “Ana” repete a crítica ao “Euromilhões. “Arranha a garganta”. Mas acrescenta nova censura. “O efeito não presta, dura pouco”. Com um cachimbo feito de varetas de um velho estendal, “Ana” garante que, com o “Euromilhões”, tem de consumir maior quantidade de droga para gáudio dos traficantes.

O analista da oferta em mercados de droga, do Observatório Europeu da Droga e das Toxicodependência, Laurent Laniel constata o óbvio. Os traficantes fazem tudo para fazer crescer os lucros e, com esse objetivo, misturam o que podem para aumentar o número de quilos de cocaína traficada. Mesmo que isso signifique matar pessoas com substâncias cancerígenas. “A fenacetina é um dos produtos clássicos de corte da cocaína. É usada tanto na América do Sul, como nos países de trânsito e na Europa, onde é vendida”, descreve.

Cubo de crack com fenacetina é mais brilhante – Foto: Pedro Granadeiro/Global Imagens

Ou seja, quando chega ao consumidor final, a cocaína já foi misturada diversas vezes e o quilo inicial foi multiplicado, como multiplicado foi o preço de venda. O quilo que custou quatro mil euros na América do Sul é vendido na Europa a mais de 50 mil.

Pormenores: A olho nu – Os toxicodependentes conseguem, só pelo olhar, verificar se a droga tem, ou não, “Euromilhões”. “Se o cubo de crack brilhar tem”, garante “Ana”.

Cozinhada – Quando compram a cocaína, os traficantes adquirem também, a preços muito mais baixos, o produto de corte que poderá incluir fenacetina. Depois, em laboratórios caseiros, misturam tudo numa calda que, sendo continuamente mexida, fica a cozer em “banho maria” até ficar em pasta.

Vendida em cubos – Depois de seca, a pasta é cortada em pequenos pedaços e vendida em cubos aos consumidores.

Perguntas & Respostas – Qual a razão para a fenacetina ser usada para “traçar” cocaína?

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Laurent Laniel explica que os traficantes optam pela fenacetina porque esta substância “tem o mesmo sabor da cocaína e dá-lhe um brilho que os consumidores gostam”. “Tem também alguns efeitos da cocaína e permite minimizar algumas das consequências do consumo desta droga”, acrescenta.

Quando é que a fenacetina foi identificada, pela primeira vez, na cocaína?

Segundo o analista do Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência, os primeiros testes a sinalizar fenacetina entre as substâncias usadas para “traçar” cocaína têm 15 anos.

Foto: Pedro Granadeiro/Global Imagens

Porque é que a fenacetina foi proibida?

A Organização Mundial de Saúde concluiu que este analgésico era cancerígeno e tinha efeitos sobretudo nos rins. “O potencial para originar um cancro é elevado”, releva Laurent Laniel. O Canadá foi, em 1978, o primeiro país a banir a fenacetina. Seguiram-se, em 1980, o Reino Unido e, três anos mais tarde, os Estados Unidos da América.

Como é que os cartéis e pequenos traficantes têm acesso à fenacetina?

O analista explica que, mesmo com a substância proibida em vários pontos do Mundo, “há redes criminosas especializadas em fornecer produtos de corte da cocaína”. “Estão espalhadas por toda a Europa, para ajudar os traficantes a aumentar o lucro com a venda da droga”, refere.

Foto: Pedro Granadeiro/Global Imagens

Quais são os principais produtos usados para “traçar” cocaína?

Além da fenacetina, os traficantes recorrem à levamisole, um medicamento usado em animais. Esta substância causa efeitos psicológicos graves e provoca uma doença chamada agranulocytosis, que destrói o sistema imunitário. Também é utilizada a diltiazem, um derivado da benzotiazepina com ação vasodilatadora. Este medicamento é utilizado no tratamento da hipertensão arterial e de outras doenças cardiovasculares. “Existem receitas informais para misturar a cocaína, que são usadas pelos cartéis da América do Sul. Uma pedra de crack tem apenas uma percentagem de cocaína”, afirma Laurent Laniel.

Assessoria – Roberto Bessa Moreira

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